Frente a frente com Sokaku Takeda
Em 1929, o Almirante Naval ISAMU TAKESHITA começou a estudar Daito Ryu com Sokaku Takeda Sensei e publicou em uma revista um artigo intitulado “Estórias sobre a bravura de Sokaku Takeda”. Este artigo chamou a atenção do jornal Tokyo Asahi, que mandou o jornalista YOICHI OZAKA a Osaka, em julho de 1930, para entrevistar Takeda Sensei que se encontrava viajando e ensinando naquela ilha do norte. O artigo a seguir foi escrito pelo Sr. Osaka e foi publicado, pela primeira vez, em 17 de Agosto de l930.
* * * Há muitos anos atrás, o Daito Ryu Aikijujutsu existia como uma arte marcial secreta do Clã Aizu. Contudo, a partir do Período Meiji, este véu de mistério que escondia a arte, vem sendo levantado, graças aos esforços do Mestre Sokaku Takeda (1859 – 1943), o herdeiro legítimo da escola. O Daito Ryu é considerado a forma mais avançada das artes de defesa pessoal e não encontra o seu igual entre as outras artes marciais tradicionais, como o Kendo e o Judo. Por algum motivo desconhecido, Mestre Takeda, um artista marcial extraordinário, partiu para Hokkaido, renunciando ao Mundo, há cerca de 20 anos atrás.
Ele passou a levar a sua vida em completa reclusão, enquanto cultivava suas terras em Shirataki, em Kitami, no interior de Hokkaido. Embora ele tivesse chegado a ter mais de 30.000 estudantes em todo o Japão, o Mestre vivia no isolamento, a fim de evitar problemas mundanos. Levei 7 horas, viajando de trem para o Leste, após fazer o translado em Nayori, próximo à extremidade norte de Hokkaido, para chegar à casa escondida do Mestre, onde ele vivia em retiro, em Shirataki, em Kitami no Kuni. A sua casa tinha dois quartos de 10 tatami, sem portas de correr entre eles. Além destes quartos, havia uma grande sala de 20 tatami, com uma lareira baixa de 5 pés, rodeada por uma borda de madeira negra lustrosa. Embora estivessemos no meio do verão, havia um grande caldeirão pendurado, com duas pinças de ferro de 16 ou 17 polegadas jogadas nele. O quarto me lembrou, de todas as formas, da casa escondida de TSUKAHARA BOKUDEN (Mestre de Esgrima e fundador da Bokuden Ryu / Shinto Ryu) (1489 – 1571) ou daquela de MATAEMON ARAKI (1597? – 1638? ) (outro mestre, fundador da Araki Ryu) . A sua esposa me deu as boas-vindas, dizendo : “Muito obrigado pela sua gentil visita mas o meu marido viajou, no começo de Junho e ainda não voltou”.
“Como ela é despreocupada”, eu pensei. “Se fosse em Tóquio, uma pessoa imediatamente chamaria a polícia para procurá-lo”. “Ah, sim!”, ela acrescentou, “Recebi uma carta dele há três ou quatro dias atrás. Ele me disse que estaria em um lugar chamado Koshimizu, perto de Abashiri. Mas logo estará viajando de novo e não faço idéia de quando ele voltará para casa. Talvez você o encontre em Koshimizu, mas pode ser também que ele já tenha partido. Isto me desanimou um pouco mas acabei decidindo deixar para lá e levar mais 7 horas de trem, descer na estação de Furuoke, quatro pontos antes de Abashiri, lugar famoso por causa de uma prisão. Eu seguiria então por uma trilha, atravessando uma cadeia de montanhas de 2,5 milhas. Era por volta de meia-noite quando finalmente chegamos à cidadezinha de Koshimizu.
Chegando a uma estalagem, um velho de 67 ou 68 anos, que parecia um samurai do passado chegou e me perguntou o que eu queria e de onde vinha: Eu lhe apresentei o meu cartão e o segui. Neste momento, eu ouvi alguém atras do “shoji” dizer : “O quê ? Um jornalista? Que aborrecimento! O que é que ele quer com um velho da roça como eu ? Mas não adianta reclamar. Se ele já está aqui, mande-o entrar!” Ele me saudou com as seguintes palavras : “Eu não queria lhe receber porque é um incômodo para mim, mas parece que não há outro jeito!” Ele vestia um quimono axadrezado de verão, com uma faixa ao redor da sua cintura. Qualquer um pensaria que ele não passava de um camponês pobre pela sua aparência. Não parecia Ter a sua idade, que era 72 anos. Parecia mais jovem e muito vigoroso. Era baixo, provavelmente com menos de 5 pés.
Descobri, mais tarde, que ele pesava por volta de 100 libras. Mesmo assim, seus olhos me encaravam fixamente, dando a impressão que não se satisfariam senão quando penetrassem as profundezas da minha alma. “O que é que você quer de um velho como eu”, ele perguntou. “Eu gostaria de falar sobre as artes marciais”.
“Se é sobre agricultura que você quer falar, eu sei alguma coisa. Eu posso cultivar sozinho um campo de 2 hectares. Eu posso arrancar raízes de cêrca de 30 árvores grandes. Ah, Ah, Ah...” Mas logo a conversa voltou-se, com naturalidade, para as artes marciais, o assunto preferido de Sokaku Takeda, começando por cada escola e passando a outros tópicos. O Mestre, que gradualmente ficava excitado, à medida em que falava, fez com que o seu melhor estudante (o velho que eu conhecera primeiro) ficasse no meio da sala e o enfrentasse.
Parece que este velho era um admirador fanático de Sokaku e vinha estudando com ele há 20 anos. "Uma vez que a nossa conversa está animada, deixe-me mostrar algumas técnicas. Vamos, ataque-me de qualquer direção!” A sua base forte, com os pés ligeiramente afastados, fazia com que ele parecesse realmente grande. O seu olhar era assustador, da forma com que encarava o seu estudante. Logo em seguida, o seu oponente o atacou com toda a força. E acabou no chão, tendo sido arremessado facilmente por Takeda Sensei, cuja grito parecia o som de um trovão. O estudante murmurou : “Eu me rendo!” A técnica fora tão bem executada que me deixou insatisfeito. Assisti a 10 encontros deste tipo, mas as técnicas eram executadas tão rapidamente que eu não conseguia entender como ele conseguia executar os seus arremessos ou imobilizar o seu adversário, ao ponto de ele não poder, sequer, gemer. "Parece combinado, não?" “É, parece”, falei sem pensar. “Você já praticou Yawara (um outro nome do Jujutsu) ? Levante-se!” Eu me levantei.
“Aperte o meu pescoço, com força”. Sou uma pessoa bem grande e o estrangulei com toda a minha força. Ele então me perguntou : “Está pronto?” Assim que ele gritou, minhas mãos, que envolviam o seu pescoço, pareceram se quebrar. Ele então me pediu para segurar o seu braço direito com as minhas duas mãos, empurrar contra seu peito e várias outras coisas. Eu fiz o que ele mandava e sempre era arremessado sem compreender como ele o fazia. Ele imobilizou o meu pescoço e ambos os meus braços com suas pernas, como se estivesse dando um nó. Meus braços pareciam estar quebrados e eu estava completamente sem fôlego. Quando eu olhei para Mestre Takeda do meu ponto privilegiado no chão, ele estava com os braços cruzados no peito e dizia para seu estudante : “Ei, o chá se derramou!” Eu não conseguia acreditar! Logo depois, ele pegou uma lâmina nua e me mostrou vários Kata. A espada zumbia ante meus olhos; próximo ao meu nariz; e ao redor dos meus ombros, com um som sibilante assustador.
"É muito difícil produzir este som sibilante com a espada. Não é possível cortar uma pessoa corretamente sem produzir este som ao movimentar a espada. É muito difícil fazer esta espada cantar”. Aquele velho de 72 anos não parecia cansado. A seguir, ele comentou como o Marquês TSUGUMICHI SAIGO aprendia rapidamente as técnicas e de como ele encontrara e conversara com o General NOGI, em Nasuno (na Prefeitura de Toshigi) e de como ele se divertia quando aquele último se vestia como um fazendeiro. Ele me disse também como o seu estilo de arte marcial era fácil de aprender, o que era o motivo de ele jamais demonstrar em público. Takeda Sensei me contou como o seu pai cauterizava as unhas das suas mãos, como um castigo pela sua dificuldade em aprender as técnicas.
Ele me mostrou as cicatrizes dos ferimentos, ainda visíveis após tantos anos. Mesmo quando chegamos às duas da manhã, ele continuava a falar. "Estas técnicas já lhe foram úteis em uma situação real?", eu lhe perguntei, mudando propositalmente de assunto, a fim de extrair dele mais informações. Inicialmente, ele riu e não pareceu querer responder a minha pergunta, mas finalmente ele contou um incidente. De acordo com a sua história, ele foi atacado por 40 ou 50 trabalhadores de uma construção, na Prefeitura de Fukushima, no começo do Período Meiji e matou 08 ou 09 pessoas. (**) “Esta minha técnica é uma perfeita arte de defesa pessoal, na qual você evita ser cortado, espancado ou chutado, ao mesmo tempo em que você não espanca, chuta, nem corta. Quando o ataque vem, você o enfrenta com precisão, usando a força do seu oponente. Desta forma, até mesmo mulheres e crianças podem aprender estas técnicas. Mas eu tenho como regra não ensinar estas técnicas a ninguém, sem antes obter apresentações e referências, porque elas podem ser assustadores, se mal usadas. Parece que existem pessoas ensinando estas técnicas em Tóquio (provavelmente uma referência a Morihei Ueshiba que ensinava em Tóquio, a esta altura) , mas eu penso que você não pode ensinar outras pessoas, se você mesmo não for muito competente na arte”. A conversa parecia não acabar, mesmo quando o dia amanheceu.
* De acordo com RYUICHI MATSUDA, em “HIDEN NIHON JUJUTSU (Escolas Secretas de Jujutsu japonês), quando um estudante de Sokaku, um Superintendente da Polícia da Prefeitura de Akita, foi transferido para Hokkaido, em 1910, ele solicitou autorização a Takeda para ensinar Daito Ryu à polícia daquela ilha do norte. Takeda concordou e o acompanhou até lá (Pg. 196). No começo, Sokaku ministrou seminários nas estações policiais da Área de Asahikawa. No começo do Período Taisho (1912/1925), ele visitou Shirataki, em Kitami, casou-se e se instalou lá.
** Donn Draeger, em seu livro “BUJUTSU E BUDO MODERNOS”, relata este incidente, indicando que ele se deu quando Sokaku tinha 23 anos, em 1881 e dá como local do evento a cidade de Tóquio. O número de mortos é também indicado como tendo sido 12 pessoas (Pg. 139).
-- Por Yoichi Ozaka- Aiki News 68, Agosto de 1985